Com o começo desta pandemia, tudo mudou bastante. Deixei - como todas nós – de conseguir perpetuar as minhas rotinas de trabalho. Tal como a minha paciência, um dia o barro e o papel também acabaram e seguiram-se longos meses sem cerâmica e sem desenho. No momento em que escrevo, a metade superior do meu corpo encontra-se vestida e penteada pois aguarda por uma videoconferência. A metade inferior encontra-se naturalmente relaxada e de pijama pois este será, sem dúvida, mais um domingo desde que ambas as metades se encontram - ora pouco, ora muito - confinadas, seja em estado vegetativo, de pânico, alerta, contingência, calamidade ou emergência. Ao domingo, tomo o pequeno almoço com calma. Se acordar tarde, tomo o pequeno almoço ao almoço, almoço ao lanche, lancho quando quero e janto na cama. Passaram meses, voltou a chover, as portas voltaram a inchar, eu inchei também – e, coincidência ou não - o meu telemóvel deixou de reconhecer a minha impressão digital. Então voltei a implementar a “hora de atividade física”. Como o nome indica, essa hora que poderá tomar lugar a qualquer uma das horas do domingo (e que acontece domingo sim, domingo não), consiste em passar sessenta minutos alternando dança livre em frente ao espelho com a tentativa claramente falhada de acompanhar um tutorial “2 in 1 - ABS AND BOOTY - No Equipment Home Workout” ou semelhante. Nas restantes vinte e três horas que o domingo de confinamento tem, eu morri de vazio, então comecei a pintar. Preservei-me e aproveitei, recatado, pintei estes retratos a acrílico sobre todas as embalagens de gelados, pizzas e cereais que a quarentena me providenciou. Cá estão todas, as filhas que este tédio lançou ao mundo.